segunda-feira, 9 de julho de 2007

Mentoring

Torna-se cada vez mais freqüente nas empresas norte-americanas a figura do "Mentor". Ele é geralmente um executivo que "adquiriu senioridade, liderança e reconhecimento profissional e que, espécie de padrinho ou tutor, "adota" um jovem empregado, no qual se detectou algum potencial acima da média, servindo-lhe de orientador na sua carreira, de professor na sua especialidade, de conselheiro e até mesmo de protetor em sua ascensão dentro da empresa.

"Mentor" vem do grego, aliás, e lembra a lendária figura do fiel escravo, de mesmo nome, a quem Ulisses entregou a educação do seu filho Telêmaco, ao partir para a Guerra de Tróia. Já na Idade Média, as corporações parisienses - sociedade de artífices - faziam, do ensino um-a-um e da relação mestre vs. Aprendiz a base de seu funcionamento e continuidade, além da garantia dos seus monopólios. Ora, da velha Grécia e de Paris para os Estados Unidos, e daí para o nossa Brasil, é apenas questão de tempo oportunidade. Seja como for, parece que a "Moda" está aí para ficar e será, se já não o foi, provavelmente testada em algumas empresas pioneiras daqui.

O psicólogo Levinson conduziu, nos EUA, uma pesquisa entre bem sucedidos profissionais de várias áreas e todos enfatizaram a decisiva importância que teve, em determinada fase de suas carreiras, a figura de um "Mentor" (o nome ainda não existia, mas a pessoa sim... )

Essa função fora geralmente exercida por um colega mais velho, bem sucedido em sua posição, eventualmente líder, em sua profissão e que, meio pai, meio amigo, facilitara enormemente o desenvolvimento do jovem a partir do seu próprio exemplo e da sua disponibilidade em dialogar com o iniciante, estimulando-o e orientando-o em seu caminho para o sucesso.

O mesmo deve ocorrer com os nossos profissionais. Como, com muita freqüência, "macaqueamos" simplesmente o que lá fora se faz sem prestarmos maior cuidado ás características e peculiaridades culturais e conjunturais do nosso país, não custa tecer algumas considerações a serem levadas em conta pelas empresas e eventuais pretendentes ao "Mentoring".

Em primeiro lugar, reconheçamos que existe hoje, onipresente entre nós, uma enorme falta de credibilidade nos mais velhos, nos que dizem "eu sei, ou "eu já passei por isso". De fato, hoje é até ao contrário, são os jovens que levam a bandeira da atualidade e, para espanto e reverenciosa surpresa dos mais velhos, vão à frente abrindo caminhos e mostrando posturas novas aos decanos.

Parte dessa realidade está relacionada com a nossa história mais recente, quando nossos jovens se levantaram - e alguns pagaram com suas vidas contra a ditadura nos anos 60 e 70. Nós os mais velhos (inclusive o signatário deste capítulo), reservamo-nos prudentemente para quando o "negócio virasse". E até alguns dentre nós, ainda mais sagazes, quando "virou" mesmo, logo estavam, de novo, na crista da onda aproveitando as oportunidades da volta à democracia (vide os nossos dirigentes e quadros políticos atuais...) Assim, como acreditar neles, "os mais velhos"?

Além disso, para os que enfrentarem essa difícil tarefa, não custa lembrar que o "Mento" de hoje estará "fazendo a cabeça" de um jovem que, em vinte anos, assumirá eventualmente posições de liderança empresarial. Mas vinte anos nos colocam no século XXI! E o que nos espera então? Querem saber o que pensa, por exemplo, Arthur Clarke - o do "2001, Uma Odisséia no Espaço"?

Pois a nosso Clarke acha perfeitamente possível, e nada estranho à tecnologia atual, a possibilidade de sobrevivência, - em caldo de cultura laboratorial apropriado - de todo o aparato cerebral de uma pessoa, enfim, um "cérebro de proveta". Aliás, vários filmes de horror e/ou de ficção científica já exploraram a idéia.

A diferença que hoje já é possível, diz Clarke, imaginar isso como proximamente realizável. Daí que o "Mentor" de hoje poderá talvez estar ajudando a preparar um cérebro que durará... eternamente! E bota responsabilidade nisso...

Um terceiro aspecto a lembrar é que caberá ao "Mentor" uma tarefa complexa e ambígua, com algumas contradições embutidas no seu contexto. Quando se fala em ajudar no "desenvolvimento" de uma pessoa há, pelo menos, três dimensões a considerar: o desenvolvimento pessoal, o profissional e o de carreira, na empresa em questão.

Ora, estas três coisas são, ás vezes, até mesmo antagônicas.

Na primeira dimensão, estaremos falando de um "Mentor" tipo pai, tutor, amigo mais velho, conselheiro espiritual, confessor talvez... Na segunda - a do Know–how na especialidade - procura-se um "Mentor" que seja um bom profissional, um exemplo de ética e de atualização naquele campo de atividade, talvez um pesquisador, um inovador pioneiro na área... Quanto ao terceiro aspecto - o de carreira - aí poderá ser útil o próprio Chefe hierárquico, o Gerente Recursos Humanos, o Diretor definidor de políticas e diretrizes da empresa etc. E vejam que o nosso "Mentor" terá que ser um pouco destas três coisas não será nada.

Aliás, ampliando o campo de exame, talvez daí provenha parte dos problemas atuais das atividades de treinamento e desenvolvimento de pessoal. É que Homem de Recursos Humanos está, cada vez mais, numa situação profissional difícil e contraditória se quiser ser algo mais que mero preenchedor de Carteiras Profissionais e Folhas de Pagamento. Pesquisa recente, levada a efeito entre nós junto ao pessoal da área de informática de diversas empresas indica que, mais que o salário, ele valoriza a possibilidade de adquirir cada vez maior conhecimento em sua especialidade, exigindo ainda atualização profissional permanente no local onde trabalha. Isso no ramo da informática é particularmente crítico, mas será que não está acontecendo o mesmo em outras especialidades?

Com efeito, estima-se que, mesmo nos Estados Unidos, um profissional recém-saído das universidades estará obsoleto daí a uns dez anos em média, dependendo do seu campo de estudos. Ora, como então garantir a atualização profissional contínua dos nossos jovens?

E aí que entra, cheio de dúvidas, o "Mentor"... Do ponto de vista da empresa, pode bem ocorrer que esta se contente simplesmente com um bom profissional adequado às exigências do cargo a ele destinado.

Lembro-me entretanto que, professor dos cursos de Mestrado em Administração e procurado para um "conselho" por alguns alunos mais chegados, eu costumava recomendar o seguinte. "Não fique no seu primeiro emprego mais que uns três anos. Mude, experimente outras coisas, adquira vivência em outras áreas e, principalmente, nunca fique num setor onde não possa ir mais além da rotina e burocracia especifica da função. Faça isso pelo menos até os 35 anos e então... Escolha!"

Hoje, quando me pergunto se eu não seria um tanto radical à época, constato, com agradável surpresa, que já não sou eu o radical, e que estou até sendo ultrapassado por jovens que "não aquecem o assento", mudando de emprego com freqüência à procura de algo mais rico e mais significativo para o seu desenvolvimento pessoal. O que diria o "Mentor" a um jovem com essa perspectiva?

Dentro da mesma ordem de idéias, ocorre-me uma explicação para o êxito econômico do Japão de pós-guerra. Nos últimos trinta anos, parece que, na maioria das empresas japonesas, conseguiu-se que os funcionários considerassem devidamente atendidas as três dimensões acima mencionadas. O empregado japonês aceita a empresa e o seu emprego como um só, para toda a vida. E ali elege ele o local onde se desenvolverá como pessoa, como cidadão, como profissional e como funcionário de carreira. Uma organização justa, estimulante e segura faz o resto e tudo dá certo, pois a motivação do pessoal é assim elevada ao máximo.

Não custa lembrar, entretanto, que esse sistema quase perfeito vem apresentando, ao que se sabe, várias e sérias fraturas nos últimos tempos. Os jovens japoneses já não estão aceitando tão passivamente essa "unificação" dos três tipos de desenvolvimento, tal como no passado recente. Cidadãos de um país rico e economicamente vitorioso, eles se perguntam o que fazer com suas vidas após conquistar e desfrutar dos benefícios e vantagens profissionais.

O que deve então fazer o nosso "Mentor"? Trata-se de uma missão impossível? Como vimos, ele é meio pai, meio professor e meio supervisor ou chefe. Isso tudo, aliás, soma um e meio e não um - o que dá a dimensão de sua difícil tarefa!

Ora, sabemos bem que a relação pai-filho é fonte de muitos problemas; mas não há Freud algum que nos convença de que a infância abandonada seja uma alternativa melhor... Quanto aos professores, as universidades e colégios estão aí, cheios de mazelas e defeitos, mas... fechá-lo é ainda pior! E, finalmente, se suprirmos os superiores das empresas, mesmo ineficientes, poderá ocorrer que o resultado imediato seja o caos da anarquia. Assim, talvez um "Mentor" nota 8,0 ou mesmo 7,5 seja até melhor que "Mentor" nenhum...

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